Conhecemos o famoso ditado de Einstein, segundo o qual existem apenas duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana, mas que há dúvidas sobre a primeira. Como professor, sou um grande fã da ignorância, e exijo de mim e dos meus alunos franco reconhecimento da nossa parcela de desconhecimento. Sem a consciência disso, nada do que se aprende pode ser entendido sob um foco adequado, num contexto proporcionado e segundo uma perspectiva correta. E não é só isso. Outro famoso aforismo(desta vez de Richard Whately) nos diz, “aqueles que não se apercebem de sua ignorância só serão desviados por seu conhecimento.” Até mesmo a verdade é perigosa sem consciência da nossa ignorância. Mas há ainda mais. Ponha a vontade na mistura, e as coisas ficarão abismais: “Uma verdade dita com má intenção / bate qualquer mentira de nossa invenção.” (G. Herbert*)
A ignorância deveria ser nossa amiga. Ela se transforma em nossa inimiga em apenas duas situações: quando não temos consciência dela, e quando ela é proposital. Existe até uma categoria extrema, ainda que benigna: a assim-chamada “ignorância invencível,” que é a falta de um conhecimento importante a qual, sem culpa, deixamos de superar. Saber disso nos ajuda a sermos mais pacientes com aqueles que ainda estão a caminho de descobrir algo que nos parece evidente.
Apesar de uma aparente semelhança, a ignorância e a estupidez são criaturas muito diferentes. Registrei várias vitórias memoráveis sobre a ignorância em minhas décadas de magistério; porém, duvido seriamente ter tido alguma vez sucesso em qualquer credível ofensiva didática contra a estupidez. Provavelmente, é uma proeza cognitiva que não se pode fazer na sala de aula.
A ignorância em si é algo benigna, como uma escuridão na qual a luz é bem-vinda. A estupidez, em contraste, é como a areia movediça, e quanto mais você volta sua mente contra aquela, mais o seu pensamento é tragado para baixo por uma asfixia intelectual. O ignorante é capaz de aprender, desde que reconheça o seu desconhecimento e possua uma vontade dócil. Mas, aí é que está o problema. Docilidade (em Latim docilitas) significa simplesmente a qualidade de quem é ensinável. Exige que novos aprendizes sejam: 1) ignorantes sim; mas 2) conscientes de sua ignorância; e 3) desejosos de aprender. Ao estúpido, faltam (2) e, especialmente, (3). Se lhe falta apenas (2), há esperança.
Ser ignorante e pensar que sabe (erroneamente) é uma condição passível de tratamento. Afinal, foi isso que motivou a maiêutica socrática: fazer-nos saber que nós não sabemos, e então, paradoxalmente, empurrar-nos rumo à luz. Aqueles que erradamente pensam que sabem, mas ainda estão abertos a aprender, podem ser ensinados. Não quer dizer que seja fácil, pois ignorância e conhecimento contrafeito podem se embolar num complexo de nós, que apenas um longo diálogo e instrução (e um pouco de oração) podem desatar. Mas, é exatamente isso o que fazem os professores, e uma vez que os nós se afrouxam e os fios do pensamento se esticam, o rosto luminoso do aluno que vê a verdade pela primeira vez é uma grande recompensa para qualquer mestre.
Contudo, se falta a você a terceira qualidade, que é uma questão de vontade, uma longa discussão e um exército perfeitamente enfileirado de palavras jamais prevalecerá contra esse amálgama de emoção, resolução e significados seriamente abusados. Pois a estupidez é precisamente isto: um coito perverso entre a ignorância e a vontade, endurecidas contra a admissão de qualquer coisa que possa ameaçar uma burrice escolhida. Apesar das aparências, a ignorância proposital não é da mesma laia que a ignorância invencível, pois, nesta última, o que está doente é a cognição, e essa pode ser cognitivamente curada. Mas a vontade é um paciente muito mais complicado.
Diante de um estúpido, os contra-argumentos podem no máximo balançar suavemente as muralhas defensivas ou motivar uma mudança de estratégia, mas jamais trarão luz àqueles que desejam as trevas. O que temos nesse caso não é apenas uma ignorância que deve ser vencida pela intuição e pela inferência, mas uma treva que já frustrou qualquer ministração possível da parte do intelecto. O que manda aqui é um imperioso comando da vontade. É uma estupidez invicta, imune à penetração do mundo do ser que lhe é externo (pois é disso, afinal, que se trata o verdadeiro conhecimento).
E para piorar ainda mais a situação, a estupidez é democrática. Não é só para os incultos e ignorantes. É especialmente cortada sob medida para os cultos e altamente “inteligentes”, mesmo com altíssimo QI. Busque só algumas declarações obviamente erradas – incrivelmente erradas – da boca de alguém que se acha “sábio”, e vai ver uma exibição bastante divertida da estupidez “esperta”. Todavia, o último resultado dessa estupidez não é muito engraçado.
* “A truth that’s told with bad intent / beats all the lies you can invent.”