Quando olhamos nos olhos de um infante, vemos alguém que vê coisas que nós não vemos mais. Os globos oculares são límpidos, livre de auto-reflexão, olhando para fora e vendo o mundo como realmente é, sem as nuvens de disfarce e interpretação, mesmo quando olhando para você (algo meio inquietante). Estudos recentes na psicologia infantil têm confirmado aquilo que as grandes tradições do mundo sempre sabiam, a saber, que as crianças sabem de coisas que nós adultos, através dos tumultos da educação e adolescência, temos esquecido .
Quando chegarmos à vida adulta, descartamos aqueles olhares docinhos como sintomas da ingenuidade infantil que, mais cedo ou mais tarde, terá que enfrentar o mundo “real”. Mas estamos enganados. É verdade, Cristo não nos admoesta para ficarmos crianças, mas nos admoesta sim para virarmos como crianças; e é aquela inocência da criança que ele nos apresenta como meta espiritual. Mesmo assim – e é isso que muitas vezes esquecemos – virar como uma criança significa não apenas reganhar uma certa inocência, mas inclui também o conhecimento de certas coisas que só crianças conhecem. (Olhem de novo para o rosto da criança em cima.)
A Encarnação de Deus não é uma obra que podemos equiparar com um ou outro dos avatares do hinduísmo, mais um bodisatva budista, ou um novo profeta judáico ou muçulmano. Aquelas “manifestações descidas” fazem, na Índia, o que os anjos e profetas fazem na Bíblia: eles descem (o sentido original da palavra avatar), ensinam por um período, e depois ou voltam para onde vieram, como os anjos, ou falam coisas profundas de Deus, como os profetas. Se um anjo assumisse a forma de um ser humano, seria apenas o uso de um veículo temporário, e uma vez que a missão for cumprida, a forma será descartada. Eles não são Deus, e não podem virar seres humanos. Profetas já são homens, mas nunca se tornem divinos. De fato, a impossibilidade disto é talvez a injunção profética mais enfática de todas.
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós.” Esta é, certamente, a reivindicação mais momentosa jamais feita a respeito do afamado Logos. Para os cristãos que acreditam nisso – e nada é mais indispensável – é um fato tão objetivo, tão metafísico e severo, que tornou-se em um enorme escândalo (pedra de tropeço). Trata-se aqui de um Deus que não é – como a maioria dos ateus opinam e, infelizmente, também um grande número de cristãos- só o “maior ente” no universo, mas sim, o Ser Transcendente Mesmo, a Fonte de toda dignidade pessoal, todo bem, toda verdade e toda beleza. E quanto ao ser humano mesmo, trata-se de uma natureza que carrega um abismo dentro de si que só um tal Ser Transcendente pode encher.
Como você não pode explicar a beleza da música só pela matemática, também o olhar dessa criança – dê mais uma olhada – não se explica pela teoria da sobrevivência dos mais aptos. O ser humano é um mistério, e sua alma é aberta – tanto intelectual quanto afetivamente – ao infinito. Dentro daquela abertura parabólica do mistério humano, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade depõe sua própria natureza, como Jesus foi deitado na manjedoura. Foi produzido o evento no tempo que marcou para sempre o ano zero, fazendo d’Aquele que É o Homem das Dores. E porque a natureza humana não existe – como existe a essência divina – em um único momento omnipresente, a estória da sua vida fica espalhada no espaço e desdobrada no tempo. E como todas as coisas no tempo e espaço, começa pequeno, como uma criança.
Nas décadas e séculos após a Ascensão de Cristo, os eventos colossais da Semana Santa e da Páscoa perderam, inevitavelmente, um pouco da sua imediatez e do seu destaque. Como consequência, os primeiros cristãos começaram a colocar o Mistério Pascal em um contexto mais circunstanciado. Eles começaram a explorar o backstory dos primeiros anos daquele homem que morreu e ressuscitou dos mortos. Maria tinha sido consultada e outras testemunhas também, a respeito do nascimento, infância e juventude de Jesus. Muito dessa tradição oral foi depositada nos Evangelhos (especialmente em Mateus e Lucas).
Aos poucos a estória do nascimento de Cristo entrou em foco. Virou claro que, paradoxalmente, a plenitude da divindade residiu não apenas no adulto, mas também dentro da pequena criança nos braços da sua Mãe. Circundado por pastores, supervisionado por anjos, em breve a ser visitado por misteriosos magos do Oriente (ver Melquisedec e os Magos) e perseguido por um monarca assassino, a narrativa do Natal se tornou o amado relato doméstico conhecido por todos nós. Ela inspirou nova vida mesmo na sua contrapartida secular da festa do solstício invernal do norte. Assim, cada dezembro começamos a ver aquelas árvores do Natal e guirlandas de luzinhas natalinas.
Mas nada preparou a imaginação religiosa do mundo para este último milagre divino: que iria emergir da face doce de um pequeno infante o olhar do mesmo Deus que criou o cosmos. Esses olhos verão o mundo lançado em um novo contexto pela sua subsequente morte e ressurreição. Este pequeno rosto vai olhar, direta e transparentemente, para cada um de nós e para o próprio mundo que criou. Nada do poder infinito de Deus é perdido enquanto contemplamos a presença delicada e silenciosa desta Criança.