St. Justin Martyr

Amor e união – apenas sinônimos?

Kalady1983 002
Há uns 40 anos passei duas horas conversando em Kalady, Índia, com esse monge da Missão Ramakrishna. Eu havia estado doente por seis semanas antes desse encontro, de modo que estava mais magro e pálido que o usual. O monge era amável e muito disposto a conversar. Então, durante o chá, discutimos os méritos comparativos das espiritualidades hindu e cristã.

Como era de se esperar, eu enfatizei a centralidade do amor na visão cristã de Deus e do homem. Jamais esquecerei o quão energicamente meu anfitrião hindu se animou e, com aquele característico balançar de cabeça e gesto de mão (que só os indianos sabem fazer), retrucou: “…mas o que é amor? Amor é união, é só isso. Amor é união.”

Não me lembro como lhe respondi naquela ocasião – meu cérebro ainda estava nadando em antibióticos –, mas as palavras do monge têm ressoado em minha mente quase todos os dias desde aquela tarde quente no sul da Índia. Eu sabia que ele estava errado. É verdade que Tomás de Aquino ensina que a união de naturezas é uma causa do amor; que a união de vontades pertence à essência do amor; e que a união no ser – os amantes estando de fato juntos – é um efeito do amor. Então, a união constitui, sem dúvida, um componente crucial do mistério do amor. Mas aquelas belas distinções pressupõem algo que estava totalmente ausente na análise de meu interlocutor: a noção de pessoa.

Assim, o problema não era apenas o fato dele ter sido muito genérico, como se tivesse dito “diamantes são apenas pedras”, ou “caviar é apenas comida”, despercebendo assim a especificidade do amor entre vários tipos de união. O problema mais grave jaz antes na despersonalização do amor. Pois as pessoas não são apenas espécies de um gênero, exemplos de um tipo, ou variantes de um único modelo; elas são imprescindivelmente únicas e irrepetíveis. A singularidade “dura” evidenciada pela pessoalidade – tornando não apenas cada homem ou cada anjo, mas até mesmo (como consequência da unicidade divina) o próprio Deus, inalienavelmente individual – faz do amor um ato de vontade que une subjetividades distintas e ontologicamente densas (no caso de Deus, o fundo metafísico da Santíssima Trindade).

O amor produz, segundo Mestre Eckhardt, uma fusão sim, mas de forma nenhuma uma confusão (fusus non confusus). É comunhão mais que união; abraço e não fundição; eu e tu como nós, e não um amorfo “Uno”. O Senhor esteja convosco, e não “a Força”. Aliás, o amor é justamente a afirmação de uma distinção sem separação, e não de uma união sem distinção.

Desejar o bem de alguém – sendo o “querer o bem ao outro” o âmago da própria definição do amor – é querer que o outro continue a existir, e que seja cada vez mais plenamente quem é, e o quê é. O amor afirma e celebra a existência individual dos amantes, e nunca visa uma união que cancele, ou diminua suas identidades respectivas.

Se fôssemos além das modernas visões psicologizantes acerca da personalidade, e se revisitássemos as análises patrísticas e escolásticas em toda a sua profundidade metafísica, pode ser que encontraremos, na melhor metafísica indiana, uma linguagem comum entre as visões hindu e cristã do amor. Eu, por mim, estou convencido que é possível. Porém, não acontecerá por comparações superficiais, ou nivelamentos conceituais, entre Oeste e Leste. O que é preciso é uma apropriação mais profunda da tradição metafísica da pessoa no Ocidente (especialmente nas suas formulações medievais), e, nutrida por essa conquista, uma reflexão mais madura sobre o Self no Oriente.

Meu interlocutor hindu não era totalmente errado. Meu ponto não é que amor não é união, mas antes que é uma união muito específica. É uma união entre os únicos entes que já possuem uma unidade incomunicável e intrínseca, cada um em si. Por isso, a união que chamamos amor não apenas rejeita homogeneização, mas leva diferença a uma afirmação transcendente e um abraço fecundo: “dois distintos, sem divisão”, nas palavras de Shakespeare:

(…) So they lov’d, as love in twain
Had the essence but in one;
Two distincts, division none:
Number there in love was slain. (…)*

The Phoenix and the Turtle

 

* (…) Assim amavam, amor entre dois,
mas na natureza, como só uma;
Dois distintos, sem divisão:
Número ali imolado no amor. (…)

A fênix e a ‘tartaruga’ (uma pombinha; em inglês, a turtledove)

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