Ser um peripatético (ou seja, um filosoficamente ambulante) é, em minha opinião, uma conditio sine qua non para cortejar a sabedoria. Mesmo Nietzsche falou que os grandes pensamentos só vêm durante nossas caminhadas. Mover o corpo devidamente é, simultaneamente, causa e efeito dos movimentos saudáveis da nossa mente. Consideremos esta última, em primeiro lugar. Se desejarmos filosofar bem, tentaremos mover nossas mentes de modos apropriados para refletir a realidade à nossa volta, e isso significa, certamente, não pensar muito devagar, mas também – e, talvez, mais importante – não pensar muito rápido. Velocidade e sabedoria não combinam.
Suspeito que a maioria dos filósofos que acabam na confusão e no ceticismo sofre de uma das duas seguintes deficiências fatais: 1) falha em crescer moralmente pari passu com o seu aumento do conhecimento, pois o bem e a verdade são radicalmente co-dependentes, de modo que o crescimento de um exige o concomitante crescimento da outra. Mas, no momento, penso mais no outro obstáculo, qual seja: 2) a incapacidade de acolher, nas nossas ponderações, o modo contemplativo de pensar, com a consequente hipertrofia do raciocínio e o esmaecimento da intelecção, uma exacerbação da trajetória linear e lógica com pouca ou nenhuma intuição, uma glorificação da inteligência mercurial, enquanto a vista ‘sinótica’, o universal (para falar com Platão) desaparece aos poucos de nosso horizonte cognitivo.
Isso é mais evidente na relação entre o ‘olhar inquisitivo’ e o ver. Inquirimos e buscamos algo com os olhos, antes de mais nada, com um único objetivo: para vê-lo. E só quando vemos o que procurávamos, e pela razão mesma que o vemos, é que nos damos conta de que há algo mais para buscar. Mas, é o ver que nos leva primeiro ao buscar; e o ver é o fim em direção ao qual se dá a nossa busca – o ver é assim tanto a origem quanto a finalidade da busca. (em inglês: We look in order to see, and by seeing, we notice there is more to look for.)
Bem cedo na história da filosofia moderna, perdemos essa distinção de vista, e começamos apenas a buscar, observar, espiar, analisar, escrutinar – de olhos apertados -, e raramente encontrar um momento, aqui ou acolá, para considerar, especular, contemplar e admirar. Uma maneira de remediar esse estrabismo filosófico é dar uma olhada em nosso corpo físico no qual ocorre o nosso pensamento. Vários sábios do mundo afirmavam que nosso corpo é a nossa alma manifesta. Tomás de Aquino disse – contrariamente ao pressuposto comum – que o corpo está na alma muito mais do que a alma está no corpo. Já é óbvio que o que fazemos corporalmente vai impactar grandemente o nosso pensamento, e vice versa.
Portanto, precisamos de um tipo de movimento que gera em nosso complexo psicossomático uma espécie de harmonia, e que sirva para espelhar (e provocar) aquele tipo de pensamento equilibrado que deveríamos valorizar. Talvez o Tai Chi seja o melhor instrumento para isso, mas eu temo que nem todos sejam talhados para ‘sintonia fina’ chinesa (eu não sou). No outro extremo, tampouco recomendo aos aspirantes à filosofia que corram para as academias de ginástica. Um lugar cheio de máquinas e corpos suados, tipicamente barulhento, com personal trainers e aparelhos de medição prontos para treinar e medir você, não é o melhor ambiente para contemplação. Na verdade, não deveríamos estar correndo tanto, seja qual for a modalidade.
Os computadores correm – esses modelos ideais de velocidade e poder –; então, deixemo-los correr. Atletas (leia-se: jovens) correm – tudo bem, mas juventude é breve. Na maior parte da nossa vida, contudo, devemos caminhar. Diz-se que os franceses, a despeito de gostarem muito de manteiga e queijo, evitam a obesidade mais eficientemente do que os norte-americanos, simplesmente porque caminham muito. Os yankees permanecem sentados por horas nas poltronas macias dos seus automóveis (uma situação que Chesterton chamou de ‘preguiça em movimento’).
Caminhar é um movimento perfeitamente proporcionado. Pode-se pensar, escutar, conversar, parar e prestar atenção nas coisas, e deixar que o céu acima de nós e a terra, abaixo, falarem conosco. Nossa linguagem corrente já compreendeu essa mensagem: “você tem uma caminhada de vida”; “estar no bom caminho,” “tomar caminho,”, etc. – todos, esforços admiráveis. Contudo, você “(in)corre em dívidas e infrações”; “(con)corre a um cargo político” (a menos contemplativa das carreiras); você está “na corrida” para fazer algo; você “corre dos perigos” e “corre por causa das emergências,”, etc. – bom, acho que já me fiz entender.
O caminhar dispõe você a pensar com medida, a contemplar e a encarar o mundo com ócio. Eu caminho uns cinco quilômetros quase todo dia (quando eu puder, ainda mais). Isso faz com que as horas em que estivesse à minha escrivaninha – ou fico de pé para falar em conferências ou homilias – têm menos rigidez e mais tranquilidade. E, uma vez que caminhar é realmente aprazível, não procuro desculpas para deixar de fazê-lo (como certamente seria o caso se fosse uma questão de fazer jogging ou de sair para malhar). Mas, o último segredo é este: caminhar torna você – ao longo dos anos – mais e mais sábio. Quando eu caminho, posso até sentir a semente da sabedoria crescer.