É um lugar-comum que filósofos nem sempre falam ou escrevem bem. As conspícuas exceções, porém, são pensadores com os quais costumo ou discordar profundamente, ou, pelo menos, não avaliar como filósofos marcadamente sábios. Isso me levou a refletir um pouco sobre o assunto.
Quando penso nos gigantes incontestados entre os filósofos do mundo ocidental, descubro apenas dois, Platão e Agostinho, que evidenciam tanto sabedoria incomum no conteúdo dos seus ensinamentos, quanto uma eloquência impressionante na sua articulação. Contudo, o primeiro começou como dramaturgo e passou só depois dessa “formatação” para filosofia; e o outro foi treinado por anos em retórica antes de desenvolver seus grandes escritos filosóficos e teológicos. A beleza do grego de Platão, e do latim de Agostinho, vem menos da filosofia deles do que das suas educações anteriores em literatura e retórica. Os outros filósofos verdadeiramente de primeira linha e comprovadamente sábios – especialmente Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Hegel e Heidegger – são famigerados por um estilo de escrito menos cativante: ou abrupto e monótono nos primeiros dois, ou pesado e por vezes impenetrável nos outros três. Todavia, os cinco continuam sendo lidos, comentados e interpretados como filósofos canônicos não menos do que Platão e Agostinho.
Em contrapartida, famosos pensadores modernos que são também celebrados pela sua eloquência – por exemplo: Descartes, Hobbes, Hume, Rousseau, Schopenhauer, Mill, Nietzsche, Freud e Bertrand Russell (recipiente até de um Nobel de literatura!) – acho mais ideológicos nas suas abordagens, menos sinóticos nas suas visões, e mais interessados em descontruir e refutar do que edificar. Pars destruens forte; pars construens fraca – mas tudo isso ostentado com muita graça e elegância.
Nos últimos anos tenho dedicado centenas de horas à leitura de um filósofo norte-americano (John Deely, 1942-2017) que, reconhecidamente, escreve bastante mal. A profundeza das suas intuições, porém, e a fecundidade dos vínculos identificados por ele entre pensadores antigos, medievais e modernos, fazem dele – na minha avaliação pessoal – um dos maiores filósofos dos últimos 100 anos.
Enfim, não é impossível alguém ser grande filósofo e grande escritor, mas parece menos provável. São dons que nos conduzem em direções diferentes. Mas com toda certeza, é bem possível ser um mestre da palavra falada e escrita, capaz de encantar multidões com suas falas e textos, e ser ao mesmo tempo desonesto, oportunista e intelectualmente medíocre. Eloquência é um dom inteiramente neutro, como destreza física no corpo, ou aptidão em aprender línguas. Como você pode continuar a falar besteira na nova língua que conseguiu aprender, ou continuar violando os fracos com a força física que cultivou na academia, pode também usar seu dote retórico para confundir e desviar a vida dos seus ouvintes, ou simplesmente deliciar-se nas luzes da sua fama.
Cuidado com os filósofos que você ouve (especialmente se forem muito charmosos). Não temos pálpebras nos nossos ouvidos.