St. Justin Martyr

Leste e oeste de Canaã

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Abraão não cresceu como um broto na Terra Santa – ele foi chamado para lá a partir do leste, de Ur dos Caldeus, no atual sul do Iraque. Ele deu início ao espetáculo mais contraintuitivo na história dos assentamentos humanos: a população da terra dos hebreus. O segundo mega-star na história bíblica é Moisés, sendo ele tampouco nascido em Canaã, mas desta vez no oeste, nas terras do Nilo. Quando o Povo Escolhido finalmente prevalece e se fixa na região que lhe fora destinada, isto não ocorre muito antes que a maioria de seus membros fosse exilada para a Babilônia. E, mesmo depois disso, eles serão expulsos de casa por ondas de perseguição, ou por seus próprios conflitos na interpretação do seu destino. 

A palavra que seria tida por sinônimo de suas andanças posteriores, a diáspora, diz tudo. Para lá e pra cá, leste e oeste, e agora por todo o mundo, o povo do Antigo Testamento vive na terra designada por Deus por um período relativamente curto de sua história. Até hoje, menos da metade dos judeus vive em Israel, e a maioria deles é de judeus culturais, não religiosos.

Pois bem, o Nascimento de Cristo, da mesma forma, vem acompanhado por movimentos a leste e oeste. Segundo o relato biblico, Jesus mal havia deixado o útero, quando sua família teve de fugir de um perigo para oeste, para o Egito, Porém, curiosamente, o perigo foi trazido por alguém vindo do leste. Misteriosos “magos” fazem uma aparição fugaz na estória da Natividade, ocasionam o Massacre dos Inocentes, e se retiram de novo para o leste. Mas esses senhores deixarem uma marca tão profunda e um mistério tão persistente na história do Novo Testamento, como tinha deixado o velho Melquisedeque na história do Antigo Testamento. Como este, não sabemos ao certo de onde os magos vieram, o que significam, exatamente, para a história, e para onde eles foram após a sua breve aparição. Mas, como Melquisedeque, são também forasteiros, ‘outsiders’. Eles dão uma bênção (em forma de presentes) ao Menino Jesus, como Melquisedeque tinha dado uma bênção ao grande fundador Abraão.

E como o libertador Moisés tinha absorvido “toda a sabedoria do Egito” (Atos 7,22), os magos, cheios da sabedoria da Mesopotâmia, visitarão e tocarão o mistério da Encarnação com seus conhecimentos, muito antes dos irmãos judeus de Cristo. A história de Cristo exige que se preste muita atenção aos mundos do oeste e do leste de sua conturbada terra natal – especificamente, o Egito e a Mesopotâmia, e para além desta, a Pérsia, a Índia e a China. É fácil esquecer o quão profundamente o cristianismo expandiu-se para o leste, falando siríaco, persa, línguas da Índia e até da China, muito antes de se estabelecer com fé na Europa.

É a mesma Europa em que hoje em dia o cristianismo parece estar morrendo. Na África e nas Américas, e mesmo na Ásia, está avançando. Mas a necessidade atual de entender as tradições orientais, aquelas da Índia, da China e do Oriente Médio, não vem apenas de um modismo cosmopolita em nosso mundo globalizado; essa necessidade emerge insistentemente da simples geografia dos Evangelhos.

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