St. Justin Martyr

Porque astrologia é uma perda de tempo

Entre todas as artes ocultas e disciplinas “esotéricas”, nenhuma reina tão soberanamente, reivindica tanta abrangência e exerce tanta influência quanto a astrologia. Como a abóbada celeste mesmo, este conjunto de alegados conhecimentos e ambiciosas práticas pretende abraçar nosso mundo de todos os lados. O intuito é criar um supremo vocabulário capaz de soletrar o segredo do sentido e propósito das nossas vidas.

Dos horoscópios meio simplórios, entesourados em nossos jornais supostamente seculares, até os milhares de textos tradicionais – desde a Antiguidade até hoje – os astrólogos elaboram complexas teorias para dar sentido e rumo à nossa existência. Para isso, servem-se do princípio mestre de todo ocultismo: “como em cima, assim em baixo”. Dessa forma, a astrologia gaba-se da maior indústria alternativa no mundo. Ela lidera na procura infatigável de ligações ocultas entre o inferior e o superior, o interior e o exterior, o microcósmico e o macrocósmico.

Para defender sua legitimidade em um mundo tão dominado pela ciência empírica e matematizada, o astrólogo costuma avançar e tentar demonstrar uma das duas teses seguintes: 1) Como tentou provar Ptolomeu (séc. II) na sua obra Tetrabiblos, os astros exerceriam influência causal e física sobre o mundo abaixo e dentro da sua esfera – como de fato fazem, comprovadamente, o sol e a lua (luz, calor e as marés, por exemplo). O que os astros faltam em volume, força gravitacional e luminosidade eles compensam pela pura multitude – uma extensão gigantesca de pontos de luz em números que chegam aos bilhões.

Mas bem mais comum hoje em dia é uma outra tese: 2) Sem a necessidade de pressupor uma influência mensurável em termos físicos, as constelações e os movimentos do sol, lua e planetas – tudo contra o fundo dos astros fixos – constituiriam uma linguagem simbólica. Tal linguagem nos daria a chave para detectarmos um significado escondido que nos revela tendências, forças ocultas e harmonias cósmicas que, embora não sejam determinantes, possam nos prestar orientações valiosas sobre nossas escolhas. Também poderiam nos proporcionar entendimento do porquê dos acontecimentos que, sem elucidações e explicações, nos assombram e mistificam. Em vez de aproximar-se simplesmente a mais um tipo de divinação, a astrologia, assim entendida, seria tão pé-no-chão, por assim dizer, como a meteorologia. Porém, os “sinais” investigados, nesse caso, não seriam o comportamento das nuvens e as andanças das temperaturas, e sim, o comportamento dos corpos celestes e os movimentos deles por “casas” e constelações.

Além dessas duas orientações teóricas, há também tradições bem diferentes da astrologia, geográfica e historicamente falando – a indiana, a chinesa, a ocidental, astrologia sideral, astrologia solar, etc. – as quais trazem contradições dificilmente resolúveis. Isso constitui um desafio, pelo menos à medida que o astrólogo insista na veracidade dos detalhes do sistema na sua tradição preferida. Mas não é exatamente isso que me preocupa e que me faz realçar a futilidade do estudo astrológico.

Existiriam sérios problemas epistemológicos a respeito dos ensinamentos concretos, mesmo se houvesse apenas uma única tradição, e sem contradições em si. A raiz do problema mais agravante com a astrologia (e também com as outras artes ocultas) não reside sobretudo na falsidade de alguns dos seus “conhecimentos”. O perigo maior jaz no fato de que vários conhecimentos astrológicos sejam, em grande parte, verdadeiros, ou pelo menos misturados com verdades. Trata-se do que muitas tradições religiosas e metafísicas do mundo chamam de “sabedoria roubada (ou imerecida)”. Supunho até que é isso de que o Novo Testamento fala quando faz referência a “aquilo que é falsamente chamada de ciência” (1 Tim. 6,20 – a palavra usada é gnosis). Mas tudo isso será mais claro no contexto das três observações seguintes:

1. O coração da grande tradição cristã – nas suas formas determinantes, ou seja, Católica, Ortodoxa e Protestante mainline – não possui uma preocupação mais constante ou uma atenção mais focalizada do que a cura animarum (o cuidado das almas). Aceita na sua “farmácia” todos e cada um dos possíveis meios de santificação dos cristãos: sacramentos, sacramentais, devoções, leitura da Bíblia e de outras lectiones divinae, e até – quando indicadas – penitências e mesmo exorcismos e castigos (até a famosa excomunhão tem por fim a conversão final da pessoa em questão). Admite também o uso prudente dos subsídios das ciências modernas, da medicina contemporânea, da farmacopeia e até da psicoterapia.

Ora, se for verdade que traçar um horoscópio de uma pessoa, seu mapa natal, poderia trazer, mesmo só aproximadamente, informação altamente relevante sobre disposições, vocação, perigos e vantagens desse indivíduo, como a astrologia enfaticamente reivindica – e pressupondo que a confiabilidade desses índices fosse pelo menos tão garantida quanto as práticas espirituais da tradição cristã – surge uma pergunta. Porque as igrejas cristãs não têm abraçado uma fonte tão rica de ajuda na direção espiritual e na orientação das almas neste mundo tão perigoso e confuso? O fato é que, em dois mil anos de história, não a abraçou.

Apesar da presença de formas de consulta astrológica mesmo na vida de certos papas e clérigos do passado – como vários tipos de medicina supersticiosa e outras práticas que pré-datam algumas das mais importantes descobertas modernas no campo de medicina e infectologia – a Igreja oficial, a voz preponderante dos santos e santas da tradição, e os “especialistas” na vida espiritual (como São Bernardo de Clareval, São João da Cruz, Santa Tereza de Ávila, São Francisco de Sales, etc.) não apenas não recomendam astrologia, mas muitas vezes alertam, insistentemente, contra tais consultas. Essa aversão diz respeito sobretudo à “astrologia judicial”, ou seja, qualquer “cálculo” dos eventos vindouros por meio de mapas astrais. Mas acho igualmente condenatória quanto aos usos da astrologia em termos meramente “simbólicos”, como uma simples leitura de códigos cósmicos que não determinariam mas apenas dariam um contexto e orientação para nossa vida. Para muitos que rejeitam qualquer determinismo no campo da astrologia, este uso light pode parecer inócuo, ou até benéfico. As duas razões por minha conclusão menos conciliatória são as seguintes:

2. Qualquer um que realiza um levantamento circunstanciado dos manuais de astrologia e das obras de referência ligadas a eles vai constatar uma característica inegável desta “ciência” e arte: está cheia de supostos conhecimentos altamente detalhados e pretensamente concludentes, herdados – em tese – de uma tradição antiquíssima. Começa sim com uma dependência explícita da astronomia científica (seja ptolomaica ou copernicana), simplesmente porque a astrologia precisa de dados exatos sobre a posição e os movimentos aparentes dos corpos celestes para poder, depois, gerar suas conclusões astrológicas em base desses dados. Mas uma vez que começa a ensinar a praticar astrologia para valer, o adepto da astrologia se vira para um depósito imensurável de informações obtidas desta ou daquela tradição astrológica. Por exemplo, o “fato” deste planeta significar isto e não aquilo, a constatação da posição de um planeta nesta e não numa outra constelação do zodíaco e o pronunciamento de um sentido preciso que podemos deduzir dessa posição – e assim por diante por uma pletora de significados concretos ligados aos objetos astrais e suas inter-relações – pertencem ao fundo dos conhecimentos esotéricos do astrólogo.

Ora, esses conhecimentos, admitidamente, não vêm da observação astronômica ou de qualquer fonte da ciência empírica. Também não achamos esses detalhas nas páginas de qualquer Escritura santa, nem na Bíblia, nem no Corão, nem mesmo nas centenas de páginas dos Vedas e Upanixades. Vem de outras fontes. Quais? A mais plausível resposta a essa pergunta seria apontar para os resquícios – detectáveis em todas as grandes tradições do mundo – de uma sabedoria primordial, supostamente comunicada aos primeiros seres humanos no início da nossa grande saga. Às vezes uma figura especialmente “iluminada”, em tempos mais recentes, pode também transmitir novos insights ou confirmações das lições já recebidas.

Uma tal fonte – ou primordial ou “refrescada” por um profeta ou guru mais recente – recebe várias denominações, mas os títulos preferidos são filosofia perennis ou prisca theologia. No entanto, além da esporádica confirmação que alguns poucos desses elementos encontram na Bíblia (por exemplo), ou, raramente, nos achados da ciência moderna, não temos como chegar à certeza sobre a grande maioria desses ensinamentos a não ser por fé humana (confiança em testemunhas humanos que achamos fidedignos). Infelizmente, tais testemunhas – e as linhas de transmissão esotérica deste ou daquele manancial – encontram-se não apenas ocasionalmente, mas com grande frequência em contradição entre si. Além das duas “asas” (razão e fé) com as quais voamos para Deus (na imagem famosa de São João Paulo II), não existe uma terceira asa de confiança acrítica em fontes esotéricas e seus gurus supostamente infalíveis. Mesmo assim, quem leva a sério a astrologia terá que confiar em um ou outro mestre da tradição esotérica. Nisso, nem a razão, nem a fé vai te respaldar.

3. Mas há uma terceira razão para não gastarmos nosso tempo precioso com astrologia, e talvez é a mais pesada. Como notado em cima, a abóbada celeste é vasta, abrangente e transcendente; a astrologia tem a forte tendência de apresentar-se como uma empreitada igualmente vasta e abrangente, também de envergadura transcendente – um sistema complexíssimo que, de certa forma, inclui tudo e que, consequentemente, exige dos seus adeptos uma dedicação que tende a ser exclusiva; no mínimo, esta lente de observação ficará predominante no que diz respeito à cosmovisão do astrólogo. Para os praticantes, previsivelmente, a astrologia vira uma metafísica substituta, uma teologia alternativa, e algo que, no final das contas, não aguenta concorrência da parte da metafísica tradicional ou da ortodoxia religiosa. A autoridade da astrologia gera, facilmente, uma epistemologia imperiosa.

Como em qualquer outra arte oculta, mexer-se por tempo prolongado com um sistema astrológico deixa sequelas sérias no psiquismo do praticante. Isso é particularmente evidente em pessoas de alta inteligência. Em vez de uma metafísica tradicional (seja de inspiração aristotélica ou platônica), a astrologia coloca outros fatores como decisivos na constituição do nosso mundo e do seu destino. Em vez de uma boa e bem estudada teologia ortodoxa (de novo – no caso dos cristãos – pode ser agostiniana, tomista, boaventuriana, baltasariana, etc), o pano de fundo de uma mente impregnada durante anos por estudos astrológicos vai ficar “formatada” pelos hábitos esotéricos dessa prática tão monopolizadora. E tem um outro traço frequentemente observado: o mundo oculto e esotérico favorece a geração de pessoas suscetíveis de cair sob o encanto de teorias de conspiração. Fica arraigada nessas pessoas a tendência a buscar sempre por causas ocultas, harmonias clandestinas e a aquisição de poderes cognitivos especiais. Apesar do olhar transfixado do astrólogo dedicado, amiúde perde a capacidade de ver o que está perante seus olhos.

 


 

Uma visão saudável dos astros

Então, como deveríamos ver e entender os astros? Em uma coisa, pelo menos, os astrólogos acertaram: os astros não são apenas fenômenos físicos com tamanhos e forças matematicamente calculáveis. Eles são também, e de forma óbvia e profunda, significativos. A abóbada celeste, em toda a sua extensão, sua beleza e seu mistério, não é apenas nomos (lei) na astro-nomia, mas também logos, e neste sentido a palavra astrologia teria sim um sentido. E quando astrônomos modernos querem nos convencer que os corpos celestes, como eles nos aparecem a olho nu – ou seja, sem telescópios e simplesmente avistados por um olhar descontraído para cima – sejam uma ilusão, uma “mera aparência”, e não a realidade, são os astrônomos modernos que estão iludidos.

Os astrólogos ficam bem mais perto da verdade, mesmo com todos seus exageros e conhecimentos desordenados. Eles sabem que o espetáculo celeste é um espetáculo mesmo, cheio de sentido e vibrando com implicações. Logo, deveríamos aprender mesmo os nomes de alguns astros e nos instruir sobre os movimentos do sol, da lua e dos planetas; deveríamos aprender a identificar as constelações mais importantes, e aprender até alguns dos mitos que foram tecidos para povoar este sem-número de corpos celestes com personagens significativas e eventos emblemáticos da literatura. Mas façamos tudo isso em um espírito lúdico, com um “light touch”, deixando as estrelas intactas na sua transcendência, sempre ultrapassando o alcance das nossas teorias e estórias terrestres.

Interpretar tudo isso como algo que podemos traduzir em um sistema pormenorizado de significados concretos (e até “signos”), o aplicando a nossas vidas tão complexas e imprevisíveis, envolve certa presunção sobre o poder da nossa inteligência. As diversas astrologias nas suas contradições entre si representam nada mais do que uma mistura de dois ingredientes, os quais nunca conseguiremos separar, ou até distinguir, durante nossa vida terrestre: 1) verdades legítimas herdadas de uma sabedoria antiga mas irremediavelmente descontextualizadas, às vezes distorcidas e sempre parciais; e 2) projeções inevitáveis de construções subjetivas da imaginação humana, sempre a busca de sentido e respostas, mesmo na ausência de evidência. A imaginação humana é um poder que quase não tem limites. As diversas e complexas criações da ficção são provas disso, como hoje em dia os mundos fascinantes do Star Wars, Senhor dos Anéis e Harry Potter (entre tantos outros).

Uma última observação sobre os efeitos de tais construções sobre a mente humana pode talvez explicar porque a astrologia continua popular, apesar dos problemas citados. Mesmo se os astros físicos não estejam influenciando, comprovadamente, nossas vidas – nem como forças de natureza nem como configurações objetivamente simbólicas – os complexos sistemas astrológicos (horoscópios com suas linhas e geometrias até esteticamente intrigantes, e os símbolos mistificantes dos planetas, casas e constelações) podem, de fato, causar efeitos fortes na vida das pessoas. Isso é especialmente o caso em pessoas que querem saber mais sobre si mesmos do que a providência, ou só o senso comum, permite.

Para pessoas confusas sobre sua própria identidade e caráter, tais explicações detalhadas e aparentemente coerentes serão bem vindas como um alívio, ou até uma fuga da responsabilidade pessoal, seja qual for sua autenticidade. O viés de confirmação pode fazer as estrelas sorrirem para ti. Mas aquilo que produz tais efeitos não seria o objeto estudado pela astrologia (as verdadeiras relações entre os corpos celestes e as constelações), mas a própria crença na astrologia.

Na minha modesta opinião, existe uma grande super-verdade a respeito da abóbada celeste, e uma só. Além daquilo que a astronomia contemporânea revela – e somos gratos pelas contribuições desta ciência moderna – a aparência esmagadora e maravilhosa do tapete dos astros que circunda nossa Terra, em todo seu profundo mistério e sua espantosa beleza – algo que nem a mais sublime poesia ou a mais inspirada música pode englobar – existe uma única mensagem astral, um único “signo”, um único significado soberano. Apresentando-se a nós enquanto emergem das profundezas cósmicas, os céus proclamam, incessantemente, a glória do seu Criador. Assim, a última verdade sobre o logos dos astros é, portanto, esta: o universo astronômico, admirado por nós terráqueos aconchegados em nossos lares e olhando para cima em nossos quintais – o cosmos que nos envolve de todos os lados e resiste a qualquer redução quantitativa ou relativista – é, e ficará até o fim do mundo, o grande e inconfundível símbolo da infinitude e esplendor de Deus.

 

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