Estamos acostumados a ouvir que a prodigiosa multiplicação de denominações cristãs, sobretudo protestantes – algumas estimativas falam de algo perto de 30.000 – é uma evidência de que os cristãos estão irremediavelmente divididos, confusos e fragmentados. Mas, paradoxalmente, cada uma dessas comunidades, às vezes tão diferentes, mantém a existência – em uma ou outra forma – de uma ‘única Igreja verdadeira’: pode ser um catolicismo pré-Cisma ou pré-Reforma, ou uma Ortodoxia Oriental fixada nos primeiros sete Concílios, ou uma pristina igreja primitiva idealizada pelos Protestantes.
Apesar da turma sempre crescente de pretendentes, cada uma delas tipicamente alega ser a igreja verdadeira, mesmo quando se fragmenta ainda mais numa miríade de cismas ou reformas sectárias. Seria ingênuo subestimar o dano que essas divisões têm ocasionado à alegação de que o Cristianismo sustenta um único Evangelho. Contudo, eu sugiro que estejamos deixando de ver uma causa mais profunda, e mais instrutiva, dessa proliferação. Apesar de criar mais e mais ramos no topo da árvore cristã, também revela uma fecundidade incomumente potente nas raízes.
O Cristianismo, em virtualmente todas as suas formas, se baseia sobre a crença de que um Deus livre e pessoal criou o nosso mundo e depois o povoou, entre outras coisas, com criaturas livres; e então, quando as liberdades concedidas foram abusadas, interveio – novamente, com um ato livre – num Evento que chamamos de Encarnação (com seus correlatos: Redenção, Crucificação, Ressurreição e todo o resto).
Contudo – e isto é importante –, nenhuma teologia cristã tradicional jamais sustentou que Deus tenha coreografado ou programado todas as reações e respostas de suas criaturas a essa intervenção. A tese comum é que Deus respeita a liberdade de suas criaturas, mesmo depois desta ter sido abusada. Isso permite, ao longo dos complexos séculos da história cristã, a geração das múltiplas reações e respostas imprevisíveis dessas criaturas.
Se uma dessas comunidades cristãs algum dia conseguir alcançar a primazia aos olhos das outras – obviamente, tenho minhas convicções sobre isto, mas não vem ao caso aqui – isto se tornará evidente apenas na santidade dos seres humanos que dela saírem. Não prestemos atenção primeiramente aos argumentos (por mais importantes que sejam), nem aos trapalhões e pecadores que surgem, inevitavelmente, em cada tradição, mas olhemos para os santos que esta ou aquela comunidade cristã tem produzido. É a única coisa que, finalmente, convence.
Qualquer que seja o significado providencial da vasta proliferação de confissões cristãs, ela pelo menos significa o seguinte: o Evento da Vida, Morte e Ressurreição de Cristo tem havido um impacto sem igual na história do mundo. A fé cristã estaca uma reivindicação de uma audácia sem-par, produzindo um efeito indelével na imaginação humana. Até mesmo os não crentes parecem incapazes de se manterem livres de sua tenaz influência. Testemunhamos isso na arte secular, na literatura e até em Hollywood. Mesmo aqueles que rejeitam Cristo, não conseguem esquecê-lo.
A grande variedade de respostas àquele Evento nem chega perto de provar que tudo isso seja uma ficção. É em vez disso uma demonstração de seu caráter gigantesco na história, e de sua bizarra fecundidade no pensamento, na imaginação, na cultura e, enfim, na experiência humanas. Pulula com uma vida que não é deste mundo, e continua germinando novos brotos. Faz isso não porque seja eivado de confusão, mas porque injetou na Criação um Fato tão fecundo, tão indomável, que nós jamais seremos capazes de domesticá-lo.