Embora eu já tenha publicado um post sobre este assunto (Vórtice), eventos recentes me convidam a desenvolver minhas reflexões mais amplamente.
Em 1975 mudei para Europa para começar meus estudos de pós-graduação. Durante uma estadia em Bruxelas para aprender francês, conheci um homem altamente inteligente que me convidou para sua casa. Ele tinha notado que tenho uma cabeça filosófica – foi para estudar Filosofia que fui para Europa – e, com grande generosidade, quis me iniciar em alguns novos métodos de pesquisa em assuntos históricos e também filosóficos. Aceitei o convite. Após um cafezinho e alguns waffles belgas, me conduziu ao segundo andar do seu château (foi um homem de posses) e dentro de uma imensa sala com paredes revestidas de altas estantes de livros. Com um gesto dramático em direção a esse baluarte de sabedoria, comentou: “Esses são os livros que terá que ler, se quiser entender o mundo de hoje!”
Durante meus meses na Bélgica, depois dos dias úteis aprendendo francês, passei todo fim de semana na biblioteca do meu novo amigo. Ora, não foi uma biblioteca qualquer, mas bem especializada em um tema: teorias de conspiração (de cunho conservador, acrescento). Claro, as mais das vezes ele evitou usar essa expressão, mas repetiu com frequência que este livro aqui, ou aquele ali, vai te explicar o porquê de ________ (preenche o espaço como quiser).
Ambiguidades, complexidades, matizes, nuances, análises multi-facetadas – todos jogados pela janela. Esses livros vão escancarar as verdadeiras causas de todos os eventos. O que causou a Primeira Guerra Mundial (ou a Segunda)? Eis a resposta única e unívoca: aqui neste livro. O que foi que motivou Martinho Lutero? Quais as intenções profundas atrás da crítica de Kant? Marx foi satanista mesmo? Qual o plano demoníaco que levou ao Concílio Vaticano II? – e assim por diante, e por diante, e por diante.
Explicações simples e chocantes para tudo. Eu adorei. Tinha 22 anos e pensava que tinha em mãos a chave que abre todas as portas de sabedoria. Li e li e li. Quando arrumei um pouco de dinheiro, comecei a montar minha própria biblioteca (livros que tenho ainda, escondidos em um armário trancado!). Deixei Bruxelas alguns meses depois, mas a infecção do conspiracionismo já estava alojada em meu sangue mental.
Numa visita aos Estados Unidos no mesmo ano encontrei um antigo professor meu e contei sobre minhas novas descobertas. Me ouviu pacientemente, mas depois soltou um suspiro fundo. Aprendi que ele também tinha passado por uma “fase conspiracionista”, e tinha lido esses livros e caído, por um tempo, no vórtice da sua fascinação. Me aconselhou deixá-los de lado e voltar a estudar Filosofia. É importante ficar alerta sobre as maquinações do mal no mundo, ele continuou, mas o inferno muda suas estratégias muito rápido para que qualquer intelecto humano pudesse acompanhá-las. Além do mais, tais pesquisas normalmente alimentam nossa própria soberba de uma forma altamente perigosa; e se não faz isso, simplesmente nos deixa mentalmente doidos e sabichões.
Quando voltei para Europa tive a graça de ter um diretor espiritual trapista que identificou o quanto meu orgulho sobre esses “conhecimentos” estava solapando meu caráter e minha vida interior. Foi muito duro comigo, mas sou eternamente grato. Descobri que atrás do conspiracionismo jaz, quase sempre, uma preguiça perante autêntico trabalho intelectual. Respostas nítidas e aparentemente (mas só aparentemente) concludentes enganam a mente a achar que já sabe quase tudo, quando de fato possui uma educação extremamente rasa e emocionalmente tóxica. Presenciamos isso todo dia em vídeos online e posts no Facebook.
Para estudar Filosofia – e ainda mais Teologia – você precisa de anos de trabalho árduo, e, sobretudo, um equipe de professores competentes que se complementam. Uma única pessoa (mesmo brilhante, como meu amigo belga, com sua mega-biblioteca) nunca é suficiente, nem remotamente. Você vai ficar preso dentro das perspectivas inevitavelmente limitadas e em certos assuntos erradas dessa pessoa.
Sem mérito meu, tive o privilégio de estudar Filosofia e Teologia com os Dominicanos de Roma. A norma lá é – e, via de regra, apenas após uma formação humanística universitária – três (3) anos de Filosofia (com uns 12 professores), depois quatro (4) anos de Teologia (com uns 15-20 professores). Depois de tudo isso você tem apenas dois bacharelados. Mestrado e doutorado exigem ainda mais anos.
Notei que entusiastas por teorias conspiratórias muito raramente têm essa formação. Também notei que muitos deles viajam bem pouco na sua vida. Como meu antigo amigo em Bruxelas, fiquem nas suas bibliotecas (ou hoje em dia, nos bunkers do Youtube ou Facebook). Uma boa formação em uma boa universidade, e viagens pelo menos por alguns países bem diferentes no mundo, expõem rapidamente as confusões e as reduções ridículas do conspiracionismo.
A vida, a história, o pecado, a liberdade, nosso vasto mundo, a política, a economia, a cultura, etc. – todas coisas que nunca obedeceram, e nunca obedecerão às fórmulas rasas dos conspiracionistas, empenhados em retratar a realidade em preto e branco. A filosofia clássica, a teologia cristã e o senso comum humano nunca foram daltônicos.
(Talvez seja em vão escrever um texto desses, porque não vai demorar muito para alguém descobrir que o KGB me pagou para postar o ensaio.)