Entre as insinuações que, com frequência, se tem dito contra a Igreja Católica, estão as seguintes: 1) a Igreja reprime mulheres, e 2) o filósofo/teólogo favorito da Igreja, Tomás de Aquino, está irremediavelmente fora de moda. Eu gostaria de convidar duas notáveis senhoras a colocar suas luvas de boxe e de desafiar qualquer pessoa a fazer as mencionadas insinuações diante delas. (A primeira, sendo uma santa e uma mártir, provavelmente declinaria (porém, a outra provavelmente pudesse lutar pelas duas).
Em termos gerais, as duas mais influentes e poderosas correntes filosóficas do século XX tiveram, como garotos-propaganda, um alemão e um austríaco: Edmund Husserl, fundador da fenomenologia e, de longe, o mais fértil dos vovôs das filosofias continentais, sendo estas tão variadas como o existencialismo, a fenomenologia e a hermenêutica; e Ludwig Wittgenstein, que, dentre todos, teve o maior impacto na filosofia anglo-saxã e – em seus dois projetos filosóficos distintos – gerou um prole intelectual comparável, em variedade, àquela de Husserl, mesmo se articulada no vocabulário bem distinto da tradição analítica.
O vetor básico seguido por cada uma dessas tradições era tão diferente, seus proponentes dificilmente se entenderiam – e tampouco conversariam – por décadas. Recentemente, porém, o embaralhamento demográfico global provocou uma boa medida de miscigenação filosófica, e a tradição pragmática norte-americana (antes menosprezada tanto pelos pensadores continentais quanto pelos analíticos) acabou por fornecer uma inesperada lingua franca àqueles dois rivais.
Entretanto, a sabedoria dos milénios costuma esperar nos bastidores e, após a passagem da fanfarra dos novatos, marchará confiantemente pelo palco para julgará os conflitos e lançará sua antiga luz sobre as novas sombras. Tomás de Aquino é um desses sábios pacientes. Mas, eu gostaria de chamar a atenção aqui para o fato de duas brilhantes filósofas do século XX estarem muito ligadas – pessoal e profissionalmente – aos dois mestres supracitados. Contudo, elas foram levadas precisamente pelos métodos e inovações desenvolvidos por seus mestres de volta à contribuição (sempre-presente) de Tomás de Aquino.
Edith Stein foi assistente pessoal de Husserl por alguns anos e dedicou-se a redigir um espesso volume sobre a metafísica tomista, e tudo isso em profundo diálogo com os insights mais duráveis de Husserl. Ela também migrou do Judaísmo para o Catolicismo, movida pela mesma convicção e amor pela verdade que a tinha levado a Husserl. A partir daí, assim como Sócrates e Boécio, consumou o seu amor à sabedoria com a sua morte – no caso de Edith, foi o martírio em Auschwitz.
Elisabeth Anscombe foi uma das primeiras fãs de Wittgenstein, e acabou estudando com ele e virando uma tão grande amiga, ele a escolheu para traduzir seu último trabalho filosófico (mesmo antes de ela ter aprendido o alemão!). Ela também virou um dos seus testamenteiros literários. Como ninguém mais, Anscombe trouxe Wittgenstein à atenção do mundo erudito após a morte prematura do filósofo austríaco. Mas, o amor dela pela análise da linguagem ensinada por Wittgenstein foi equiparado ao seu amor pela Igreja Católica, para a qual ela entrou ainda adolescente. Assim foi preparada para uma das carreiras filosóficas mais destacadas do século XX, e uma que trouxe Tomás de Aquino em pleno diálogo com a tradição analítica.
Duas mulheres, ambas católicas convertidas, ambas nos mananciais dos dois maiores rios da filosofia do século XX, e ambas ajudicando sabiamente as aventuras do pensamento moderno a partir dos píncaros de um teólogo do século XIII. Edith Stein foi uma santa, e Elisabeth Anscombe, segundo todos os relatos – além de ser uma filósofa brilhante e prolífera –, foi uma ‘força da natureza’. Santa Edith, por ser judia e freira, caminhou nua pela câmara de gás, rumo à sua morte. Santa Edith, rogai por nós! Elisabeth pode não ter evidenciado os sinais típicos de uma santa, mas ela foi, à sua maneira, tão radical quanto a santa alemã. Ao entrar num restaurante em Boston no começo dos anos 1960, usando um terninho antigo – época em que as mulheres usavam apenas vestidos –, disseram-lhe à porta que não era permitido que mulheres trajando calças jantassem ali. Sem pensar duas vezes, Elizabeth imediatamente tirou as calças.